A guerra das Plataformas de Investimento

28 de março de 2019 | Imprensa

Imagem - Fiduc

O pequeno investidor tem sido bombardeado ultimamente pelas propagandas na TV das plataformas de Investimento. O sucesso da XP despertou corretoras adormecidas, que de repente viram uma possibilidade real na migração de clientes de grandes bancos para players independentes.

Hoje são cerca de 20 plataformas disputando a atenção do investidor. Várias delas com grande exposição nas mídias. Algumas usando garotos propaganda famosos. Outras oferecendo taxa zero em diversos produtos e serviços. Mas, no fundo, todas aglutinadas num mesmo território. Explico.

Costumo olhar para este business sob a ótica de 3 dimensões: MARCA, PRODUTOS FINANCEIROS e EXPERIÊNCIA DO USUÁRIO. Em linhas gerais, a Marca deve passar credibilidade como atributo básico e, a partir daí, buscar sua diferenciação. Já os Produtos Financeiros devem conter uma oferta mínima, de qualidade, e um conjunto de outros, que sejam únicos e que sirvam para reforçar o posicionamento da marca. E, por último, a Experiência, que deve ser simples, sem fricções, sempre surpreendendo o cliente, sobretudo num segmento que é regulado, o que contribui para restrições em boa parte dos processos.

Quando analisamos cada uma das dimensões do tripé, vemos as plataformas concentradas, com atuações muito semelhantes, sem diferenciação. Na comunicação da Marca, por exemplo, vemos um discurso padrão, que endereça três pontos: produtos melhores do que os bancos, ausência de conflitos de interesse e uso intensivo da tecnologia. Vejamos um por um.

Produtos melhores do que os bancos: é verdade que fundos de investimentos de gestores independentes costumam ser melhores do que os dos grandes bancos.  Os números mostram isso e não é difícil de entender. Os gestores independentes são focados na gestão de ativos, têm uma família reduzida de produtos e são altamente dependentes de sua performance. Se não derem resultado, não captam. Diferentemente dos bancos, que contam com uma rede de agências, com seus gerentes e consultores de investimento, que fazem uma captação em que a solidez do banco se torna uma aliada da inércia do consumidor. A conveniência o leva a deixar o dinheiro no banco e qualquer oferta razoável é suficiente para convencê-lo a agir assim. Portanto, mesmo os fundos (e o mesmo vale para renda fixa) dos independentes apresentando números melhores, isto não é capaz de acionar o gatilho que vai fazer os investidores saírem de sua zona de conforto (e dos pacotes de tarifas dos bancos) e migrarem para as plataformas de investimento. Por uma razão muito simples, que a maioria das plataformas parece ignorar: a decisão do investidor é emocional, não é racional. Não adianta fazer um comparativo do Tesouro Direto com a Poupança e mostrar que, num investimento de 10 mil reais, em 2 anos, ele ganharia 170 reais mais no Tesouro Direto. Isto não é suficiente para que ele faça todo este movimento. Existe um “custo” associado a esta mudança, chamado CMT (Custo Mental da Transação) – e por isso grifei “todo”. É o trabalho que o consumidor imagina que vai ter para fazer esta mudança. Como a experiência dele com outras instituições financeiras sempre foi muito complexa e burocrática, é assim que a mente dele processa e imagina esta mudança. Enquanto esta imagem, na mente dele, não for modificada e consolidada, o CMT em Investimentos será muito alto. E 170 reais em 2 anos não pagam esta conta. Por mais que 170 reais, pra quem tem 10 mil como reserva, seja muito dinheiro! Eu cansei de dar palestras, no início da ÓRAMA, onde fazia a seguinte pergunta para a audiência: você daria 170 reais de gorjeta para o entregador da pizza no domingo a noite? Então por que você deixa isso para o seu banco? Esta reflexão sobre o valor RELATIVO x ABSOLUTO é algo que até pode ter algum impacto numa palestra presencial, mas dificilmente surtirá efeito num vídeo, num texto de um site ou numa propaganda, meios onde não há interação.

Ainda sobre os Produtos, eu solicitei ao buscador de investimentos Yubb, que fizesse um levantamento sobre o homogeneidade da oferta de produtos nas plataformas. Eles olharam 19 empresas: XPRicoClearEasynvestÓramaGuideBTGToroNéctonAtivaGenialModalmaisNova FuturaDaycovalTerraEliteSocopaPineInter. Analisaram 3.834 produtos de Renda Fixa e 9.203 Fundos de Investimento. E olhe que incrível o número a que eles chegaram:

RENDA FIXA

  • 81% dos Títulos são ofertados em 3 plataformas
  • 53% dos Títulos são ofertados em 6 ou mais plataformas

FUNDOS DE INVESTIMENTO

  • 91% dos Fundos são ofertados em 3 plataformas
  • 76% dos Fundos são ofertados em 6 ou mais plataformas

Fonte: Yubb

Se pegarmos os emissores mais presentes, o BMG está presente em 89% das plataformas, enquanto o Banco Original é encontrado em 68% delas. Entre os  gestores mais distribuídos, o Alaska está em 47% das plataformas, seguido pela Polo, que é encontrada em 42% dos casos.

Ou seja, isto corrobora exatamente o que falava anteriormente: há pouca diferenciação de produtos. E isto num mercado onde há muito espaço para se inovar. Porém a inovação depende de uma cultura organizacional e um modelo operacional que a priorize. E isto é um desafio para as plataformas, que, vêm de organizações com culturas mais tradicionais, diferentemente de startups nativamente digitais.

O segundo ponto é o já tão batido conflito de interesses do gerente de banco com o cliente, pois sabemos que o primeiro tem metas a serem alcançadas, que não estão necessariamente relacionadas com os objetivos do cliente. Ora, os bancos têm mudado sua forma de atuação e, junto a alguns segmentos, têm colocado a figura do consultor de investimentos, que oferece uma recomendação mais isenta e técnica. Do lado das plataformas, o Agente Autônomo de Investimentos (AAI) também pode fazer ofertas comerciais que priorizem sua remuneração, como nos giros das carteiras de ações ou rebate dos fundos. O que, no limite, cai num conflito de interesses similar ao dos bancos.

E, por último, o uso intensivo da tecnologia, que se tornou uma retórica, muito mais interna do que com impacto externo. Quando a ÁGORA, no início dos anos 2000, se posicionou pela primeira vez no mercado financeiro, como uma empresa de Tecnologia (que atuava no mercado financeiro), este discurso fazia sentido por termos sido altamente inovadores, lançando o primeiro canal de TV na Internet, os primeiros a usarem VoIP para o cliente ouvir o pregão (isto existia na época e era importante), a primeira corretora a segmentar o home broker em 7 aplicações diferentes, o primeiro sistema de home broker que permitia Cotações,  Trade, Custódia, Financeiro e Notícias numa mesma tela (os outros eram em abas), e por aí vai. Inovações só possíveis pelo uso intensivo da Tecnologia e que representavam diferenciações de produtos muito relevantes para o usuário. Atualmente, é diferente, porque o baseline do consumidor é muito alto. Ele já está acostumado com o uso de aplicativos altamente tecnológicos em todos os seus momentos do dia. Não há nada de novo neste sentido.

Voltando então ao tripé inicial: Marca, Produtos Financeiros e Experiência. Ao falar de Marca, acabei falando já de Produtos Financeiros. Resta então o último item, a Experiência do Usuário. Aqui parece ser a grande arena, onde as plataformas estão travando as suas batalhas. Novos aplicativos, novos sites, a todo momento. O que me preocupa porque me parece ser uma leitura errada do verdadeiro campo de batalha. É como os bancos que querem fazer um aplicativo melhor que o do Nubank, achando que assim estão minando sua força. A experiência deve ser simples e surpreender o usuário. Mas num segmento com muitos concorrentes, ela se torna commodity rapidamente. Investir muitos recursos aqui não vão trazer o retorno esperado.

Em resumo, podemos olhar para esta realidade de duas formas: um mercado saturado ou uma grande oportunidade de se fazer algo diferente. Há algumas semanas atrás, estava conversando com um diretor de um grande banco e disse a ele: vejo o Open Banking como uma grande oportunidade dos bancos passarem a ter receitas não financeiras. Ele olhou pra mim e perguntou: que banco está fazendo isso com sucesso? Eu respondi: nenhum. E este é o ponto, você pode olhar para isso como uma grande oportunidade, de se testar coisas novas, ou com o mindset de um follower, que prefere pensar: se fosse bom negócio alguém já estaria fazendo. Prefiro acreditar que há um mar de oportunidades para as plataformas de investimentos. Especialmente para aquelas que já têm grandes bases de clientes. Pois podem testar com seus usuários, antes de investir mais pesadamente no lançamento para o mercado.

Não posso deixar de citar algumas iniciativas que estão desafiando este status quo: a FIDUC, que busca popularizar a forma como famílias muito ricas investem, usando uma assessoria técnica ao invés da figura do AAI (comercial). A Avenue, que está abrindo os mercados externos para o pequeno investidor brasileiro, tocando fundo no aspecto aspiracional. E a PI, recentemente lançada, que oferece soluções de investimento, ao invés de produtos. Acredito que entender que o processo de decisão do investidor é puramente emocional e nada racional será chave para o sucesso. Não é por outra razão que a Betina e seus colegas da Empiricus atraem tantos clientes (não que eu concorde ou discorde de sua forma de atuação, é apenas uma constatação).

Fonte: Guilherme Horn. Estadão

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