Se você morresse agora (não que o Valor Investe deseje isso, mas é preciso ser pragmático) ou ficasse impossibilitado de trabalhar, como sua família se sustentaria? Tanto o seguro de vida quanto a previdência privada podem servir como uma proteção para seus filhos ou outras pessoas que dependem financeiramente de você, inclusive você mesmo. Faz sentido ter os dois produtos? Pode fazer, mas não para todo mundo, dizem os especialistas.
A previdência privada serve para dois objetivos principais: acumular patrimônio, como outros investimentos, e ter uma renda no futuro. Mas esse produto também pode servir para um deixar um dinheiro para os seus dependentes usarem a qualquer momento, caso aconteça algum imprevisto com você.
Quanto o titular de um plano de previdência morre, os beneficiários escolhidos por ele recebem a reserva acumulada, sem muita burocracia. Os recursos da previdência privada não precisam passar por inventário. “É uma grande vantagem, já que o processo do inventário pode levar anos”, diz Samir Choaib, advogado especialista em planejamento sucessório e tributário.
Mas quanto dinheiro preciso guardar?
Para calcular quanto dinheiro seria preciso para sustentar a família, é preciso incluir nessa conta o valor necessário por um período entre seis meses e um ano após a morte, até que todos se estabilizassem novamente, mais as dívidas a pagar e as despesas com inventário. O custo de herdar um patrimônio é alto: em geral, em São Paulo, é de 10% sobre o valor da herança, incluindo impostos e gastos com advogado e cartório.
Feito isso, é preciso saber quanto dinheiro está acumulado na previdência privada, que poderia sustentar a família imediatamente. Bens como imóveis e carros não entram no cálculo, porque eles não têm liquidez imediata.
Com esse número na mão, a diferença entre o valor que os dependentes precisariam para se sustentar nesse período e a soma que se tem hoje na previdência pode ser uma boa referência para a escolha do tamanho da indenização do seguro de vida.
Num exemplo simplificado, se seus dependentes precisariam de uma reserva de R$ 250 mil na sua ausência e você tem R$ 150 mil na previdência privada, a indenização do seguro de vida seria de R$ 100 mil.
“Faça um seguro de vida proporcional para o que falta. Se todo o dinheiro necessário já estiver na previdência privada, você não precisa de seguro de vida”, diz Caco Santos, planejador financeiro certificado pela Associação Brasileira de Planejadores Financeiros (Planejar).
Diferentemente da previdência privada, que devolve os recursos quando você bem entender, equivalentes ao capital que você acumulou, o seguro de vida só paga a indenização em caso de “sinistro” — leia-se: morte, invalidez ou doença grave, por exemplo. É uma proteção para a renda que você ainda não gerou, mas poderia ter gerado se o sinistro não tivesse acontecido.
“O seguro de vida serve para cobrir esse buraco de renda que você ainda não construiu. Para quem se planeja, ele deixa de ser necessário em algum momento”, diz Valter Police, planejador financeiro e diretor da empresa de investimentos Fiduc.
O valor da indenização depende do “prêmio” — o preço que você paga mensalmente pelo seguro. Para se ter uma ideia de preço, em uma simulação feita pela Porto Seguro, uma mulher de 35 anos, não fumante, que contratasse um seguro de vida com indenização de R$ 1 milhão por morte, invalidez ou doença, pagaria R$ 176 por mês. No caso de um homem de 35 anos, não fumante, o mesmo seguro custaria R$ 267 por mês.
A indenização do seguro de vida também não entra em inventário, o que também é uma vantagem para quem quer proteger a família. “Todo mundo que não tem um patrimônio deveria ter um seguro de vida. Sempre alguém vai depender de você, nem que seja você mesmo”, diz Police.
Quem é mais velho, tem mais tempo de trabalho e já conseguiu acumular patrimônio, tem mais chance de não precisar ter seguro de vida. Nesse caso, o produto pode ser até mais caro ou pode ser mais difícil de conseguir contratá-lo, devido à idade avançada e à maior probabilidade de morte.
A cada dois anos, é recomendável fazer uma revisão das contribuições para a previdência privada e para o seguro de vida, para checar se estão adequadas.
Além da indenização por morte
A busca por um seguro que pague indenização em caso de morte faz mais sentido, segundo os especialistas, para quem tem filhos ou pretende ter ou para quem já tem patrimônio e não tem herdeiros com dinheiro suficiente para arcar com os custos de receber a herança.
No entanto, o seguro de vida pode incluir coberturas além da indenização por morte, como aquelas que cobrem invalidez, doenças graves ou incapacidade temporária para o trabalho, para profissionais liberais. Neste caso, mesmo quem não tem dependentes pode se beneficiar dessas coberturas de risco, uma vez que você é sempre o seu principal dependente. É importante levar isso em consideração na decisão de contratar ou não um seguro de vida.
Além disso, alguns planos de previdência privada preveem a possibilidade de contratar essas coberturas como extras ao produto, pagas junto com as contribuições ao plano. Essas coberturas dos próprios planos de previdência podem ser suficientes, dependendo das suas necessidades.
No entanto, é preciso avaliar o custo desses coberturas extras, o valor do capital segurado e quais coberturas estão incluídas. Pode valer mais a pena contratar um seguro de vida adicional.
Há ainda os seguros de vida resgatáveis, que permitem recuperar o valor pago ou parte dele em vida, caso haja necessidade ou a indenização não seja mais necessária. De novo, é preciso avaliar caso a caso a melhor alternativa para o seu planejamento sucessório.
Benefícios tributários
Tanto o seguro de vida quanto a previdência privada contam com benefícios tributários. O valor recebido a título de indenização de seguro de vida é isento de imposto de renda e a previdência privada não, mas conta com alguns incentivos.
Os planos de previdência são tributados como investimentos, mas de maneira distinta. Quem compra pode escolher entre a cobrança de imposto de renda pela tabela progressiva (que varia de zero a 27,5%) ou regressiva (que varia de 35% a 10%), conforme a sua escolha, quando você ou os beneficiários resgatarem o dinheiro.
No caso dos planos de previdência do tipo Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), indicado para quem declara o imposto de renda pelo modelo completo, é possível deduzir os aportes até o limite de 12% da renda anual. Mas no momento do recebimento a tributação incide sobre o valor integral.
No caso dos planos de previdência do tipo Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), indicados para quem declara o imposto de renda pelo modelo simples, não existe dedução no IR no momento da aplicação, mas na hora do resgate o tributo incide apenas sobre a rentabilidade.
Nos dois casos, não existe tributação semestral do come-cotas, que ocorre nos fundos de investimento tradicionais.
Seguro de vida ainda é pouco penetrado
No Brasil, o mercado de seguro de vida movimentou R$ 13 bilhões em 2019, até setembro, segundo a segundo a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi). Já o mercado de previdência privada captou R$ 90 bilhões no mesmo período.
A maioria dos seguros de vida são contratados por meio das empresas empregadoras e nem sempre os clientes conhecem o produto o que contrataram. “Nunca se falou tanto em seguro de vida, mas o produto ainda é pouco penetrado”, diz Fernanda Pasquarelli, diretora de vida, previdência e investimentos da Porto Seguro.
Uma pesquisa realizada pela seguradora com mais de mil pessoas das classes A e B mostrou que a proteção dos filhos é a principal motivação dos brasileiros para contratar um seguro de vida. Entre os que não contrataram as justificativas foram que o “seguro atrai a morte”, “é caro” ou “não vale a pena, porque só pode ser usado após a morte”. “São tabus que ainda existem em torno do produto”, diz Fernanda.
Marcio Batistuti, diretor de varejo da Mongeral Aegon, lembra que o debate sobre a reforma da previdência e o aumento da expectativa de vida contribuem não só para o crescimento do mercado de previdência privada, mas também para o de seguro de vida. “Quando as pessoas se planejam para o futuro, pensam em acumular dinheiro para a aposentadoria, mas também em ter uma reserva para caso venham a faltar”, diz.
Por Júlia Lewgoy, Valor Investe — São Paulo
*Matéria atualizada às 10h50 para corrigir os dados de captação do mercado de previdência privada e seguro de vida, da Fenaprevi.