Modelo fiduciário cresce na crise e tíquete menor dá lugar a alta renda
Em dois anos, ativos sob gestão da Fiduc cresceram quatro vezes e meta é chegar ao primeiro bilhão em 2023; fintech anuncia criação de área voltada para gestão de patrimônio de R$ 5 milhões
Em um cenário marcado por eventos históricos, políticos e econômicos, que trouxeram turbulências e incertezas, a Fiduc, fintech de planejamento financeiro e gestão de patrimônio, viu o total de ativos sob sua gestão quadruplicar, de março de 2020 a junho deste ano, saltando de R$ 120 milhões para R$ 530 milhões.
A proposta de valor da empresa, baseada no modelo fiduciário, se beneficiou de um período em que taxas de juros despencaram e voltaram a subir com maior intensidade, ações viveram uma gangorra de ganhos e perdas e a oferta de produtos e serviços no mercado financeiro disparou. Por outro lado, investidores com tíquete menor sofreram com a inflação e os de maior valor se destacaram na originação.
Pelo modelo fiduciário, a empresa é remunerada conforme o investimento do cliente, com um percentual que varia, na Fiduc, de 0,75% a 1,5% ao ano. O modelo se contrapõe ao transacional, que como numa venda tradicional, o vendedor recebe uma comissão do banco ou gestora pelo produto de investimento vendido ao cliente.
Segundo Pedro Guimarães, fundador e presidente da Fiduc, a meta é encerrar o ano com R$ 750 milhões sob gestão e alcançar o primeiro bilhão em 2023. Para tanto, a empresa dá um novo passo, iniciando sua atuação voltada para clientes de alta renda, com R$ 5 milhões em patrimônio.
Um dos movimentos observados pela empresa junto a seu crescimento foi a mudança do tíquete médio de seus clientes. Se em março de 2020, véspera da pandemia, era de R$ 150 mil, agora já chega a mais de R$ 500 mil.
“A classe média brasileira, particularmente de julho do ano passado para cá, sofreu muito com o aumento da inflação e das taxas de juros”, avalia Guimarães. Consequentemente, o investidor de tíquete menor parou de entrar e, muitos deles, resgataram seus investimentos, principalmente em renda fixa, para cobrir despesas, como financiamento imobiliário.
“Acredito muito no cliente de tíquete menor, mas é preciso que a situação do País de estabilize e, principalmente, que o Banco Central comece a curvar a taxa de juros nominal”, afirma Guimarães. “Inflação é o palavrão que não dá para aceitar.”
Por outro lado, no mesmo período, houve uma aceleração do crescimento da Fiduc em faixas mais altas de patrimônio. A empresa percebeu a oportunidade de criar uma nova frente de atuação que vai atender clientes com patrimônio de R$ 5 milhões.
A novidade foi anunciada, no sábado, à rede de planejadores financeiros associados, no segundo Fiduc Day. A nova área – Fiduc MFO – já conta com uma equipe dedicada de dez profissionais. A estimativa de Guimarães é de que, ao final do ano, alcance entre R$ 100 milhões e R$ 150 milhões sob gestão e 25 planejadores.
O quadro de planejadores financeiros parceiros da Fiduc acompanha a evolução da empresa. Em março de 2020, eram 95. Agora, 335. Para o final do ano, serão 1 mil profissionais.
Ainda que o modelo transacional tenha um apelo maior para o investidor de curto prazo, principalmente porque conta com um marketing agressivo fruto do aumento da concorrência entre plataformas de investimentos, fintechs e grandes bancos, o modelo fiduciário, com foco em formação e gestão de patrimônio no longo prazo, tem oferecido mais segurança e resiliência em tempos conturbados.
“O mundo virou de cabeça para baixo, as pessoas estão mais ansiosas, e confusas para tomar decisões de longo prazo”, afirma Guimarães. Ainda assim, “para cada R$ 1 captado nos dois primeiros anos de atuação, captamos R$ 3 nesses dois últimos”, celebra.
A proposta da Fiduc é oferecer um serviço que, até 2018, quando a empresa iniciou suas operações, era comum somente aos grandes endinheirados, com os chamados family offices, escritórios especializados na gestão de grandes fortunas.
“É um mercado novo, menor que o transacional, mas que cresce a taxas altas”, observa Guimarães. Esse movimento também reflete uma provável reação à explosão de plataformas de investimentos, como um hipermercado de produtos de investimento e promessas de grandes retornos. “O retorno no modelo transacional é particularmente ruim”, aponta. “O gerente do banco está trabalhando para o banco e não para o cliente. E isso é legítimo.”
Guimarães lembra que todo brasileiro consome pelo menos dois produtos fiduciários básicos: o médico e o advogado. O mesmo pode acontecer com um planejador financeiro. A virada de chave pode estar bem próxima de acontecer com a chamada geração Z, os nascidos a partir de 1995.
“Essa geração sabe o valor da moeda. Eles entendem que, quando o real desvaloriza ante o dólar, o poder de compra deles diminuiu, os objetos de desejo ficam mais caros”, avalia Guimarães. “Eles têm uma dor em relação à moeda que a nossa geração não tinha, porque a inflação derretia a moeda e isso era rotina. Eles têm um conceito muito melhor da passagem do tempo através da moeda.”
Além disso, para Guimarães, essa nova geração não tem nenhuma ilusão em relação à rede de proteção estatal. “A turma de 50 pra cima, ainda tem uma certa ilusão de que a previdência social vai mantê-la. Os meninos com 25 sabem que não têm nenhuma chance de chegar aos 75 com o Estado pagando previdência.” E nessa equação que o modelo fiduciário pode se encaixar bem.
Por Laelya Longo, Valor Investe — São Paulo