Guilherme Kühne é um administrador de empresas de 44 anos, morador de Porto Alegre, que investia majoritariamente em ativos de renda fixa e fundos imobiliários. Esse tal de ETF nunca havia chamado sua atenção até que ele soube da existência de um fundo de índice atrelado a criptomoedas que o animou – e inspirou confiança – para investir seu dinheiro.
“Não tinha ouvido falar de ETFs. Para mim foi uma descoberta, porque não tenho grande experiência com investimento de renda variável. Sempre tive interesse em criptomoedas, mas nunca tive a coragem de investir pela volatilidade dos ativos”, conta.
Guilherme é um dos 401 mil brasileiros que já tinha pelo menos um ETF em seu portfólio em maio – um aumento de 64% em relação a dezembro de 2020. Os ETFs são considerados uma forma prática e barata (pelas baixas taxas de administração) de diversificar a carteira, especialmente de pequenos investidores, mas demorou a decolar no Brasil.
Para Felipe Paiva, diretor de relacionamento com clientes da B3, as taxas de juros historicamente altas do país travaram o desenvolvimento de todo o mercado de capitais, incluindo o de ETFs. Com a Selic em um dígito, ainda que não mais em suas mínimas históricas, o executivo acredita que a demora no desenvolvimento desse mercado por aqui deve finalmente deslanchar, contando com a ajuda da maior facilidade para que a educação financeira chegue a mais brasileiros por meio da internet.
Além do maior conhecimento dos produtos disponíveis e juros mais baixos que empurraram investidores como Guilherme para a renda variável, a oferta de ativos “mais baratos” também ajudou na popularização dos ETFs, segundo Paiva. Desde setembro do ano passado, a B3 reduziu o tamanho do lote-padrão para negociação de ETFs de 10 para 1 unidade. Assim, se antes era preciso R$ 1.000 para comprar um lote de ETFs que custava R$ 100, agora é possível comprar apenas um.
O patrimônio total investido em ETFs respondeu a esse novo empurrãozinho para quem investe aos poucos e somava R$ 46 bilhões no fim de maio, valor 7% acima do observado em abril e 22,6% mais do que o registrado em dezembro de 2020.
Ao gosto do freguês
Além do maior interesse dos brasileiros em renda variável, que levou a uma disparada de 124,4% no número de CPFs inscritos na B3 na comparação com o fim de 2019, para 3,738 milhões de pessoas, o cardápio de ETFs da bolsa brasileira também está (bem) maior.
O primeiro deles, no Brasil, foi lançado em janeiro de 2004. O pioneiro PIBB11 acompanha o índice Brasil 50 (IBrX-50) só começou a ganhar novos companheiros em 2008, quando foram lançados produtos que seguiam o Ibovespa (BOVA11) e o índice de small caps (SMLL11).
O primeiro ETF de renda fixa chegou ao mercado somente em 2017 e agora, quase 17 anos depois, a bolsa brasileira tinha 35 ETFs listados, até 8 de junho, sendo 28 de renda variável e 7 de renda fixa. Na renda variável, são 26 atrelados ao mercado brasileiro e 9 que acompanham índices listados em bolsas fora do país. Os ETFs acompanham 27 índices com a cobertura de 14 segmentos do mercado.
Com muito mais produtos e pessoas investindo, o volume médio diário negociado disparou 164,7% neste ano em relação a 2019, para R$ 1,588 bilhão. Para se ter ideia, o PIBB11 tinha média diária de negócios de R$ 7 milhões em 2007.
Avanço, pero no mucho
Apesar do crescimento robusto e inegável nos últimos dois anos, os ETFs ainda são pouco representativos dentro das carteiras dos investidores pessoas físicas e o desenvolvimento da indústria brasileira desse produto financeiro ainda fica muito atrás na comparação com o mercado global, segundo Claudia Emiko Yoshinaga, pesquisadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Rodrigo Hiltz, sócio e diretor de renda variável da Genial Investimentos, também avalia que o mercado de ETFs ainda é pequeno se comparado a maturidade de todo o mercado de capitais brasileiro. “São poucos ETFs em comparação com a quantidade de empresas e fundos imobiliários listados na B3. Além disso, os poucos ETFs listados na B3, diria que o ‘market cap’ [capitalização de mercado] relativo é bem pequeno em comparação com o resto do mercado de renda variável”, diz.
Segundo dados da Anbima (Associação Brasileira de das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), o volume de recursos investidos em ETFs no Brasil em dezembro de 2018 representava 0,2% do total aplicado em fundos de investimentos. Em abril deste ano, o volume aplicado teve um incremento de 214,8% em relação a 2018, mas ainda é uma parcela de apenas 0,6% de todo o dinheiro investido em fundos no país.
Co-autora de um estudo desse segmento em fevereiro de 2019, com o professor William Eid Junior, Yoshinaga reconhece importante avanço no mercado de ETFs desde a publicação do material, especialmente no crescimento da oferta de produtos que surgiu para atender o apetite dos investidores. Naquela época, havia 15 ETFs disponíveis ao investidor, menos da metade existente hoje, e nenhum deles era de renda fixa.
“Desde o estudo teve uma quantidade grande de ETFs que surgiram, a questão é se esse mercado vai seguir aumentando cada vez mais e, quem sabe chegar, em um nível como os Estados Unidos, onde há ETFs inclusive de outras classes de ativos, como privaty equity e ETFs alavancados”, diz Yoshinaga.
Para Paiva, da B3, o cenário à frente é otimista e ele vê grandes chances de continuidade no crescimento forte do setor. “O Brasil tem R$ 1 trilhão na poupança e há mais de 20 milhões de brasileiros com mais de R$ 5 mil na poupança”, destaca o executivo sobre o dinheiro ainda encostado na aplicação de menor risco – e também menor rentabilidade – disponível hoje.
Além das pessoas físicas, Paiva destaca que há um mar a ser explorado também entre os investidores institucionais. “O Brasil tem mais de R$ 6 trilhões em fundos, mas boa parte desse dinheiro está em títulos públicos, só 10% tem retorno em renda variável“, aponta Paiva.
Valter Police, planejador fiduciário da Fiduc, também vê bom potencial de atratividade dos ETFs para os investidores por meio de fundos que aplicam também em ETFs. “A gestão profissional ativa faz com que o cliente não tenha que se preocupar, sabendo que ele está alocado em alguns dos principais índices do mercado com gestores atuando para tirar o máximo de desempenho dos mercados nos quais o fundo se propõe a atuar”, diz.
Conflito de interesses
A pesquisadora Claudia Emiko Yoshinaga vê como principal entrave para o desenvolvimento acelerado da indústria de ETFs no Brasil a grande deficiência na publicidade e “venda” desses produtos pelas corretoras e agentes autônomos de investimentos. Uma das razões possíveis, segundo a pesquisadora, é a baixa remuneração que esses produtos, baratos para o investidor, trazem para essas empresas.
Yoshinaga afirma que ainda hoje as corretoras não oferecem grandes exposições aos ETFs em seus sites como opções de investimentos. Outra dificuldade apontada por ela é que os planejadores financeiros nos Estados Unidos e Canadá são profissionais independentes, sem vínculo com nenhuma instituição financeira, em sua maioria, cenário que não se repete no Brasil e evidencia o conflito de interesses no mercado de capitais.
“Sem dúvida, a falta de remuneração, ou a baixíssima remuneração, para o distribuidor sobre esses produtos interfere porque as pessoas são direcionadas a fazerem algo que as compense do ponto de vista profissional. Não existe um incentivo dos próprios profissionais para isso e também das estruturas de corretoras nas quais estão vinculados. Esse é um ponto que deve ser levado em consideração”, afirma Valter Police.
A Anbima, instituição que representa o mercado de capitais e de investimentos, já está de olho nesse tipo de conflito de interesses a partir de 14 de julho as instituições financeiras terão que estar ajustadas para dar mais transparência às suas políticas de remuneração na distribuição de valores mobiliários, títulos bancários, seguros e fundos. Está ainda em estudos uma segunda fase para decidir como as instituições poderiam abrir mais informações.
Curva de aprendizagem
O principal entrave para a maior adesão dos brasileiros aos ETFs já está sendo desfeito, segundo o diretor da B3, e está atrelado a curva de aprendizagem, que foi mais acelerada nos mercados americanos e europeus nas últimas décadas, por exemplo.
Com os juros mais baixos e uma infinidade de conteúdos gratuitos na internet, Paiva acredita que esse mercado deve deslanchar daqui para frente. “O ETF vai passar por uma curva de aprendizagem no Brasil. A própria indústria está começando a trilhar os primeiros caminhos da educação e ajudando essa curva a dar uma acelerada”, diz.
Do lado da B3, Paiva diz que a companhia segue em contato com as gestoras para ampliar a gama de alternativas de ETFs no Brasil. Na última semana, o Itaú lançou um ETF que segue índice de empresas de tecnologia da área da saúde e no dia 23 de junho estreia na bolsa o primeiro ETF da América Latina com 100% de exposição ao bitcoin.
Além da indústria mais preparada, o que incluem os serviços digitais das corretoras e bancos, Paiva também avalia que a atuação de influenciadores digitais de finanças também ajuda a levar as informações aos interessados no tema. “É uma geração que está chegando já no modo de comunicação mais simples e direta”, diz.
Os queridinhos dos brasileiros
Lembra do ETF de criptomoedas que levou Guilherme a estrear nesse tipo de investimentos? Lançado em 26 de abril, o Hashdex Nasdaq Crypto Index Fundo já é o segundo maior ETF da bolsa brasileira em número de investidores, segundo dados da B3.
O produto se apresenta como uma alternativa para pequenos investidores interessados em criptomoedas e é atrelado ao índice Nasdaq Crypto Index (NCI), desenvolvido pela Nasdaq, bolsa de valores nos Estados Unidos, e pela Hashdex.
“É questão de tempo para este fundo se tornar o maior e mais líquido ETF do Brasil“, Rodrigo Hiltz, da Genial Investimentos, que foi o coordenadora líder da captação do produto.
O campeão de interesse entre os brasileiros é o ETF que acompanha o índice S&P 500 da bolsa americana, com as ações das 500 maiores empresas do país.
Maiores ETFs da bolsa em número de investidores
Nome | Código | Índice | Segmento | Exposição |
iShares S&P 500 | IVVB11 | S&P 500 | ações – amplo | Estados Unidos |
Hashdex Nasdaq | HASH11 | Nasdaq Crypto Index (NCI) | criptomoedas | Global |
iShares Ibovespa | BOVA11 | Ibovespa | ações – amplo | Brasil |
Trend ETF MSCI China | XINA11 | MSCI China | ações – amplo | China |
iShares BMF Bovespa Small Cap | SMAL11 | índice Small Cap | ações – small caps | Brasil |
Trend ETF LBMA Ouro | GOLD11 | LBMA Gold Price | ouro | Global |
It Now PIBB IBrX-50 | PIBB11 | IBr-X 50 | ações – amplo | Global |
It Now IDIV | DIVO11 | Índice Dividendos | ações – dividendos | Global |
Trend ETF MSCI Europa | EURP11 | MSCI Europe | ações – amplo | Europa |
It Now Ibovespa | BOVV11 | Ibovespa | ações – amplo | Global |
Embora ampliar a diversificação de segmentos cobertos pelos ETFs seja um fator importante para aumentar a atratividade desse tipo de investimento, a maior parte dos negócios gira em torno dos clássicos.
Os três ETFs com maior volume de negócios diários seguem dois dos principais e mais amplos índices no Brasil e nos Estados Unidos – Ibovespa e S&P 500 – e responderam por 87% do total das compras e vendas realizadas na bolsa brasileira neste ano.
Para Rodrigo Hiltz, da Genial Investimentos, sequer os 10 ETFs mais negociados têm liquidez satisfatória e atrativa para os investidores, o que também coloca um entrave para o produto se desenvolver.
“A liquidez para alguns deles pode ser um problema, não acho que seja gravíssimo, mas ainda não é um produto que os investidores usam muito, não chega nem perto da indústria de fundos de investimentos em geral”, diz Yoshinaga.
Conteúdo por: Weruska Goeking, Valor Investe