Um fantasma que até pouco tempo atrás estava trancado no armário dos brasileiros volta a dar sinais. Ela mesma, a inflação. Claro que ainda estamos distantes dos 10,67% acumulados em 2015, mas a aceleração de preços que vem sendo observada nos últimos meses, aliada à taxa Selic na mínima histórica, acende um alerta na carteira dos investidores.
Laurence Mello, gestor responsável pela estratégia de crédito privado da AZ Quest, explica que, geralmente, os investimentos que rendem o mesmo que a Selic acabam entregando uma composição de inflação com algum ganho real.
Contudo, em momentos de choque, o Banco Central pode demorar a revisar a Selic e sobrar para o bolso do investidor o tal “juro real negativo”, ou seja, até rende, mas depois que você descontar a inflação do período verá que perdeu poder de compra. Saiu do investimento com menos dinheiro do que quando entrou.
É o que acontece hoje com a Selic em 2% ao ano e a inflação oficial do país, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), bem acima, em 3,92% nos 12 meses acumulados até outubro. Se a sua aplicação render 100% da Selic (o que já é difícil, já que há várias taxas para você pagar), descontando a inflação, terá perdido em termos reais algo próximo de 2%.
Uma saída para buscar retornos que batam pelo menos a inflação são os fundos de renda fixa que perseguem a rentabilidade (usam como benchmark) da “família” IMA-B, conjunto de índices formados pelos títulos públicos que pagam juros mais a variação do IPCA.
Os títulos Tesouro IPCA+, como são chamados, costumam ser a escolha clássica para alocar uma parte dos investimentos com a rentabilidade atrelada à inflação. Mas a rentabilidade informada no momento do investimento só vale se você esperar até a data de vencimento para realizar o resgate, porque até lá ele vai sacudir, e muito, com a marcação a mercado. O Tesouro IPCA+ com vencimento em 2045, por exemplo, acumula um tombo de 15,3% neste ano, até outubro.
Para quem não quer esperar o vencimento no longo prazo, e assim garantir a proteção do valor investido contra a inflação do período, terceirizar esse tipo de aplicação para os gestores dos fundos é uma opção para buscar maior rentabilidade na negociação desses títulos antes do seu vencimento.
De olho na aceleração da inflação medida pelo IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado), que acumula alta de 24,25% nos últimos 12 meses e que já começa a respingar no IPCA, Ulisses Nehmi, sócio e presidente da gestora Sparta, considera que os fundos que usam como referência o IMA-B 5 são os mais adequados para o investidor que busca rentabilidade acompanhando a alta da inflação.
“O IMA-B chacoalha bastante, já um IMA-B 5 tem movimentos mais suaves e o foco é a proteção da inflação mesmo. O que impacta mais no retorno é a taxa de juros nos vencimentos mais longos, enquanto nos curtos o que define é o IPCA de fato”, explica Nehmi.
Neste ano, o IMA-B, índice formado por todos os títulos públicos indexados ao IPCA (com e sem juros semestrais), tem ganhos de apenas 0,15%, enquanto o IMA-B 5, que acompanha os títulos indexados à inflação com vencimento em até 5 anos, acumula alta de 5,61%. O IMA-B 5+, que acompanha os títulos IPCA com vencimento em 5 anos ou mais, tem queda de 3,88% neste ano.
Mello também prefere os fundos que seguem o IMA-B 5 para a proteção da carteira da inflação e a perspectiva de juros mais altos no curto a médio prazo. “Se a curva abrir [taxa de juros subir], esse é o tipo de fundo que mais vai defender o investidor”, diz.
É claro que o investidor individual que quiser também pode buscar maior rentabilidade com a compra e venda de títulos do Tesouro Direto, mas ele não tem acesso ao mercado secundário e nem a opção de “operar vendido” (vender um ativo que não tem na carteira apostando na queda do valor no mercado para ter lucro) como os gestores de fundos.
“A pessoa física normalmente não tem acesso ao mercado derivativos de juros. Esse é o maior beneficio de quem só comprava o título do Tesouro Direto e agora vai para os fundos”, diz Mello.
Além dos títulos públicos, os fundos de renda fixa que podem seguir um índice de inflação como referência de retorno também incluem os fundos de crédito privado, e dentro deles cabem notas promissórias, debêntures, CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e CRAs (Certificados de Recebíveis Agrícolas).
Rafael Zlot, gestor de renda fixa e crédito privado da Plural Asset, destaca que os gestores conseguem operar com maior agilidade no mercado secundário também nesses títulos, repercutindo notícias que impactam os ativos de renda fixa, em busca de geração de valor.
“O gestor é um profissional ligado 100% do tempo no mercado e, com a quantidade de ‘players’ no mercado secundário, é natural que ao longo do tempo ele obtenha uma performance melhor”, diz Zlot.
Maurício Xavier, gestor de fundos de crédito privado da Rio Bravo, explica que o número de títulos de crédito privado atrelados à inflação disponíveis para os investidores cresceu muito nos últimos três anos, o que amplia a possibilidade de diversificação pelos fundos.
“Os fundos são capazes de diversificar por diferentes prazos, setores e indexadores. Com isso, na média, o gestor consegue evitar concentração em papéis específicos”, explica Xavier.
Dentro do mundo de crédito privado, Laurence Mello, da AZ Quest, destaca os fundos de debêntures incentivadas, com a atratividade adicional da isenção de imposto de renda que os fundos que investem majoritariamente nesses papéis também têm. Os prazos para resgates, contudo, costumam ser maiores do que nos fundos que investem em títulos públicos.
Para Valter Police, planejador financeiro da Fiduc, a terceirização da alocação de investimentos para gestores costuma trazer melhores resultados no médio e longo prazos do que as escolhas individuais, mas alerta que é preciso estar preparado para oscilações.
“O que as pessoas em geral erram é em querer que sua rentabilidade seja boa constantemente. E isso não vai acontecer. Não terá todo mês uma boa rentabilidade. Em alguns meses será ótima e em outras péssimas, o mercado é imprevisível. Mas quando tira-se um pouco do ‘zoom’, uma carteira diversificada, se bem montada, vai ganhar da inflação”, diz Police.
Essa diversificação é ampliada por meio dos fundos, que conseguem pulverizar mais aqueles R$ 100 de aplicação mínima em vários títulos do que se você investisse sozinho, ao mesmo tempo em que reduz a chance de perdas expressivas.
“A chave é a diversificação da carteira, que não costuma ter uma posição em apenas um ativo, setor ou emissor”, destaca Alex Hirai, gerente da equipe de crédito e renda fixa da Rio Bravo.
O “susto” do crédito privado
No auge da pandemia os fundos de crédito privado assustaram os investidores que ainda não haviam entendido que renda fixa também chacoalha e tinham nesses produtos parte de sua reserva de emergência. O elevado número de pedidos de resgates no pior da crise da covid-19 fez que com gestores vendessem títulos a qualquer preço e o resultado foi uma sequência de resultados negativos.
Para Mello, da AZ Quest, o mercado de crédito privado teve arranhões em sua imagem nos chacoalhões deste ano por se tratar de um segmento relativamente novo. “O que tivemos em março não foi um problema de crédito, mas de liquidez”, explica.
A situação hoje é outra, avalia Ulisses Nehmi, da Sparta. “Hoje há muita procura por crédito privado porque o ‘spread’ é alto”, diz. Spread é a diferença entre a remuneração oferecida pelos títulos de crédito privado e os públicos. Aqui vale a máxima de qualquer investimento: quanto maior o potencial de retorno, maior o risco, e empresas têm maior risco de crédito do que o governo.
Nehmi conta que, apesar da correria de investidores para resgatar suas aplicações e todo o receio com o crédito privado diante da crise, os balanços do segundo e terceiro trimestre das empresas mostraram que as grandes companhias se saíram bem. “Não teve inadimplência. Houve pouca deterioração de crédito”, diz. Neste contexto, ele acredita que o mercado de crédito privado oferece oportunidade ímpar de investimento no momento atual.
E qual a chance de o mercado de crédito privado passar por novo problema de liquidez? Menores, avalia Mello, devido ao maior número de ativos e de participantes no mercado. “Com mais gente participando, tem mais troca de mão no papel e menor é o impacto das crises”.
Xavier, da Rio Bravo, lembra ainda que a possibilidade de o Banco Central entrar no mercado de títulos de crédito privado para gerar liquidez, algo que não ocorria antes, também ajuda a “amortecer” eventuais momentos críticos do mercado.
Isso não significa que o fundo estará isento de “sobe-e-desce”. De qualquer forma, os fundos de renda fixa atrelados a inflação ou de crédito privado não devem ser usados como reserva de emergência, justamente para não precisar resgatar com urgência em momentos desfavoráveis do mercado.
E quando “sacudir”, respire fundo e não tome decisões de resgate precipitadas diante do receio de perder todo o seu suado dinheiro. “Em um fundo de investimento a chance de perder tudo chega a ser desprezível. Em uma carteira com 150 ativos, qual a chance de elas falirem ao mesmo tempo? É irreal pensar nisso”, afirma Police, da Fiduc.
No fim do dia, não existe almoço grátis. Maior potencial de retorno, com ganhos acima da inflação em juros tão baixos, é preciso molhar o pé no risco.
“O investidor mais conservador, de maneira geral, estava acostumado a seguir a Selic e sempre teve retorno acima da inflação. Mas ter ganho real sem tomar muito risco era uma aberração. Está mais do que na hora de deixar esse comportamento para trás “, diz Nehmi, da Sparta.
Por Weruska Goeking, do Valor Investe