A pandemia aumentou a consciência de que a vida é frágil e de que os riscos estão próximos. Essa percepção de vulnerabilidade tem levado uma parcela cada vez maior de brasileiros a buscar um seguro de vida e surge uma pergunta: se a empresa já paga o seguro de vida para o funcionário, vale a pena ter outro para cobrir eventuais riscos que o produto não cobre?
Sim, em boa parte dos casos, conforme planejadores financeiros e especialistas das seguradoras. Justamente porque assuntos como morte, invalidez e doenças são tabus, em geral, as pessoas pensam que, se a empresa dá um seguro de vida, acabou o assunto, mas não é bem assim. E esse não é um papo de quem quer empurrar produtos, mas sim de planejamento financeiro, de acordo com os especialistas.
No acumulado de 2021, até setembro, as contratações de seguro de vida aumentaram 16,7% em termos de prêmios pagos (o valor que o consumidor ou a empresa pagam à seguradora pelo seguro), em comparação ao mesmo período do ano anterior, conforme a Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi).
O segmento de vida em grupo, do qual fazem parte os seguros oferecidos pelas empresas aos funcionários, cresceu de 9,4% em prêmios, enquanto o segmento de vida individual subiu 28,4%. Como o segmento de vida é um benefício corporativo, a demanda está mais ligada ao desempenho econômico, que anda sofrendo, do que ao comportamento individual.
O seguro de vida é uma proteção para as pessoas que dependem financeiramente de você, inclusive você mesmo, caso você morra ou fique impossibilitado de trabalhar. Os especialistas explicam que cada um deve conhecer exatamente as suas necessidades e entender como é o produto dado pela empresa, ou seja, quais coberturas inclui e qual o valor da indenização.
Para calcular quanto dinheiro seria preciso para sustentar a família ou você em caso de imprevisto, é preciso incluir nessa conta o valor necessário por um período após a eventualidade até que todos se estabilizem de novo, mais as dívidas a pagar e as despesas com inventário. O custo de herdar um patrimônio é alto: em geral, em São Paulo, é de 10% sobre o valor da herança, incluindo impostos e gastos com advogado e cartório.
Não existe uma fórmula para calcular esse valor necessário, segundo Valter Police, planejador financeiro e diretor da empresa de investimentos Fiduc. Ele explica que o ideal é calcular o valor necessário por um período de dois anos, mas pode ser mais, dependendo das necessidades de cada um e de quanto dá para desembolsar pelo seguro de vida.
“Tem quem queira garantir a educação dos filhos, o mesmo estilo de vida, uma complementação à renda do cônjuge”, exemplifica.
Feita a conta do valor necessário, é preciso saber quanto dinheiro está acumulado em investimentos com liquidez imediata, que poderia sustentar a família imediatamente. Aplicações financeiras de mais risco e bens como carros e imóveis não entram no cálculo, porque eles não têm liquidez imediata.
Com esse número na mão, a diferença entre o valor que os dependentes ou você precisariam para se sustentar nesse período e a indenização do seguro de vida da empresa pode ser uma boa referência para saber se você precisa de um produto individual além do que já tem e, se sim, qual o tamanho da indenização que ele deve ter.
Num exemplo simplificado, se seus dependentes precisariam de uma reserva de R$ 250 mil na sua ausência e você tem R$ 150 mil de indenização do seguro de vida da empresa, a indenização do seguro de vida individual seria de R$ 100 mil.
Regina Prataviera, planejadora financeira certificada pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar), lembra que funcionários estão sujeitos à demissão e que quem já tem algumas doenças não consegue contratar um seguro de vida individual depois, ou, se conseguir, vai pagar mais caro. Assim, ela aconselha contratar um seguro de vida individual enquanto houver saúde, independentemente das coberturas e da indenização do produto oferecido pela empresa.
“Acho que mesmo quem tem o da empresa deveria ter o seu. Hoje você tem saúde, mas amanhã pode não ter para conseguir contratar”, indica.
Bernardo Castello, diretor da Bradesco Vida e Previdência, explica que é comum as empresas oferecerem seguro de vida por causa de acordos coletivos com os sindicatos, mas que esses produtos sejam bastante simples. Geralmente, as coberturas incluem apenas morte natural, morte acidental, invalidez por acidente e invalidez por doença, e a indenização equivale a entre 12 e 24 salários do funcionário
“Se pensar em quem tem filho em idade escolar e gasta com mensalidades, 24 salários não dá para quase nada”, afirma. Ele acrescenta que o mercado de seguros de vida caminhou em uma direção de simplificar os produtos para se popularizar, mas, assim, é preciso checar se as coberturas incluídas atendem às necessidades individuais.
Como escolher um seguro de vida individual
Os seguros de vida incluem uma grande diversidade de coberturas. Carlos Eduardo Gondim, diretor de Vida e Previdência da Porto Seguro, recomenda checar com a área de recursos humanos da empresa quais coberturas o produto oferecido pela empresa inclui e contar com a ajuda de um corretor de seguros de confiança para escolher as coberturas que são importantes para você. “É um exercício que depende das prioridades de cada um. Discutir com o corretor de seguros ajuda muito, ilumina a discussão”, sugere Gondim.
Ele destaca que tem crescido a busca por coberturas que podem ser usadas em vida e que são incomuns nos produtos oferecidos pelas empresas, como as coberturas por incapacidade temporária por doenças graves, como Acidente Vascular Cerebral (AVC) e câncer. O dinheiro da indenização costuma ser usado para ajudar a custear o tratamento ou, mesmo por quem tem plano de saúde, para pagar confortos como adaptadores de residências, cuidadores e fisioterapeutas.
Outros seguros de vida incluem assistências para casa, pet, viagem ou telemedicina. “A maior parte desses benefícios, em geral, a pessoa já tem de outras formas. Se tem seguro do carro, tem assistência residencial. Se tem plano de saúde, já tem telemedicina. Então tem que avaliar, para que o seguro inclua o mínimo de coberturas possíveis que façam sentido para ficar mais barato”, aconselha Police, da Fiduc.
Ele ainda indica prestar atenção em cláusulas do contrato. Police recomenda, por exemplo, não contratar seguros que deixam que a seguradora cancele o produto de forma unilateral e contratar seguros que aumentem de preço conforme a idade, pois os que não aumentam já são mais caros na largada.
Prataviera, da Planejar, sugere contratar seguro de vida resgatável, que, além de contar com as mesmas coberturas, também permite recuperar parte do valor pago no produto. Assim, é uma alternativa que pode ser usada em caso de necessidade ou se o segurado não desejar mais a cobertura.
“Não dá para prever tudo que vai acontecer no futuro. Vamos dizer que lá na frente você já acumulou reserva, não tem mais dependente financeiro e não precisa mais do seguro. Você cancela, resgata e investe em outro produto”, aconselha. Contudo, essa modalidade de seguro costuma ser mais cara.
Quanto custa um seguro de vida?
Existem coberturas para todos os bolsos, só não dá para achar que um seguro de vida de R$ 5 por mês (existe!) vai cobrir uma indenização de R$ 5 milhões. O valor da indenização depende do “prêmio” — o preço que você paga mensalmente pelo seguro.
Para se ter uma ideia de preço, em uma simulação feita pela Porto Seguro, uma mulher de 30 anos, não fumante, que contratasse um seguro de vida com indenização de R$ 150 mil por morte, R$ 100 mil por invalidez permanente ou doença grave, R$ 10 mil por assistência funeral, R$ 5 mil por despesas médicas, hospitalares e odontológicas e R$ 100 por dia por incapacidade temporária, pagaria R$ 135 por mês. No caso de um homem do mesmo perfil, o mesmo seguro custaria R$ 125 por mês.
Em outra simulação feira pela Bradesco Vida e Previdência, uma mulher ou um homem de 30 anos, não fumante, que contratasse um seguro de vida com indenização de R$ 50 mil por morte, invalidez permanente ou doença grave, assistência funeral, R$ 10 mil por despesas médicas, hospitalares e odontológicas e R$ 1 mil por dia por incapacidade temporária, pagaria R$ 554 por mês.
Todo mundo deve ter seguro de vida?
Não, não é todo mundo que deve ter seguro de vida. “A maior parte das pessoas precisa, mas não é para todo mundo”, afirma Police, da Fiduc. Você precisa ter o produto apenas se, caso ficasse incapacitado de gerar renda, seus dependentes financeiros ou você mesmo precisasse da indenização para se manter.
O seguro de vida que paga indenização em caso de morte faz sentido para quem tem filhos ou pretende ter ou para quem já tem patrimônio e não tem herdeiros com dinheiro suficiente para arcar com os custos de receber a herança.
O produto que paga indenizações para serem usadas em vida faz sentido mesmo para quem não tem dependentes, mas depende financeiramente de si mesmo e não tem reserva financeira.
Já quem já conseguiu acumular uma reserva financeira ou tem uma família com dinheiro tem mais chance de não precisar ter seguro de vida.