A notícia de que uma família paulistana enviou R$ 50 bilhões ao exterior saltou aos olhos dos mais desatentos na semana passada. A fuga de recursos gerou especulações sobre os motivos que levaram os super ricos a repatriar uma soma que supera o PIB de estados como Sergipe e Piauí — mesmo tendo que pagar tributos de R$ 2 bilhões e ver a quantia derreter em moeda estrangeira. Se até as camadas mais altas têm razões para tirar seu capital do país, o que dizer dos investidores menos abastados?
Dois temores têm tirado o sono do brasileiro que se preocupa em preservar seu patrimônio: a inflação e o risco fiscal. A alta dos preços, vista a princípio como um choque temporário dos alimentos, agora ameaça não só reduzir o poder de compra, mas também superar o retorno de investimentos seguros, como títulos públicos de curto prazo, levando a uma retorno real negativo. Segundo o último boletim Focus do Banco Central, o IPCA (inflação oficial do país) deve fechar 2020 em 2,47%, enquanto a expectativa para a taxa Selic é permanecer nos atuais 2% ao ano.
As incertezas sobre o quadro fiscal e o teto de gastos tornam o cenário ainda mais nebuloso para quem investe. Diante do impasse sobre como financiar o programa Renda Cidadã, substituto do Bolsa Família, e o aumento inevitável da dívida pública, os investidores passaram a exigir prêmios cada vez maiores para o Tesouro emitir sua dívida. O Tesouro Selic, título público visto como o mais seguro do mercado, ficou negativo pela primeira vez em setembro e segue fraco em outubro. O estrangeiro também bateu em retirada do país: até 1 de outubro, retirou mais de R$ 88 bilhões do mercado secundário da B3, a bolsa brasileira.
Tudo isso reflete a percepção do mercado de que, se está ruim hoje, pode piorar. E como fica o investidor conservador neste cenário? “Com os mercados em um movimento de gangorra e a imprevisibilidade, não há garantia do tipo de aplicação com flexibilidade para ser rentável e ganhar da inflação com risco praticamente inexistente”, afirma o professor de finanças do Ibmec, Gilberto Braga.
Além dos riscos internos, são muitos fatores de incertezas no exterior: o resultado das eleições americanas que pode reposicionar a balança de poder, os cenários econômicos derivados de uma possível solução para a crise da pandemia, como uma vacina ou novos pacotes fiscais e a velocidade com que isso vai acontecer.
O InvestNews consultou especialistas em finanças e planejamento financeiro para elencar as melhores estratégias para proteger seu dinheiro dos riscos que preocupam dos bilionários ao investidor mais humilde. Veja abaixo quais são:
1 – O pior (quase sempre) acontece
Enquanto muita gente ficou esperando o “vai passar” da crise econômica, alguns investidores já se preparavam para um baque maior. Para Valter Police, planejador financeiro da Fiduc, acontecimentos ruins são, na verdade, bem mais prováveis de acontecer do que se imagina. O exemplo mais sintomático foi a pandemia do novo coronavírus, encarada a princípio como um fenômeno isolado e sem grandes consequências – algo que se provou errado para quem viveu para ver. Em um cenário no qual a incerteza é quase certa, Police defende que a melhor tática para investir é diversificar. “A má notícia é que não tem uma resposta sobre o que vai acontecer. A boa é que dá para fazer como os grandes investidores: diversificar em várias classes de ativos”, aponta. Ainda está valendo a velha regra de que até o indivíduo mais conservador deve ter um pouco de renda variável na carteira, e o mais arrojado um percentual em renda fixa.
2 – Na incerteza, dólar e fundos cambiais ganham força
Sempre que o cenário interno fica turbulento ou imprevisível, a tendência é refletir na taxa de câmbio. A moeda brasileira costuma perder valor frente ao dólar toda vez que o mercado desconfia da capacidade do governo de cumprir o ajuste fiscal, de aprovar reformas ou de fazer a economia ganhar tração. Por esse motivo, Braga, do Ibmec, aponta a moeda americana e fundos cambiais como ativos para buscar proteção em cenários como este. Em 2020, a moeda americana valoriza em torno de 40%, enquanto o Ibovespa, principal índice da B3, acumula desvalorização ao redor de 16%. “Existem fundos cambiais com taxas de administração entre 0,1% e 0,5%, são os mais indicados para que os investidores tenham uma proteção contra a inflação neste momento”, acredita o professor.
2 – O melhor investimento não existe
Não são poucos os apelos do tipo “a hora da bolsa é agora” ou “esta vai ser a ação do ano”. Segundo Police, da Fiduc, se isso fosse verdade não existiriam tantas estratégias de investimentos no mercado. “Um dos erros mais frequentes do investidor é buscar o melhor investimento para hoje e esquecer do longo prazo”, acredita. Se o investidor estiver preocupado com a inflação, por exemplo, pode comprar um título público atrelado ao IPCA, que garante juros e valor corrigido pelo índice. Mas essa garantia só existe para a data de vencimento, que costuma ter prazos mais longos, como 2035 e 2045. Se resgatar antes do prazo, o investidor não tem a garantia do retorno combinado no momento da compra do papel. “Quantos anos ele está disposto a esperar?”, questiona.
3 – Imóvel não garante retorno financeiro
Os imóveis já foram apontados como alternativa segura para o investidor se proteger da inflação. Essa crença é forte no Brasil: quem nunca ouviu falar de alguém que comprou imóvel para alugar e viver de renda? Valter Police defende que este é um mito a ser quebrado. “Embora o aluguel seja corrigido por um índice de inflação, crises como a atual deram margem para negociação e o IGP-M está deixando de ser referência”, diz. Outro problema apontado por ele é a falta de diversificação, já que poucos investidores têm capacidade de adquirir vários imóveis ara mitigar o risco. “Se ele ficar desalugado, seu rendimento é negativo com os custos de condomínio, manutenção e impostos”, lembra. Police também aponta que, com exceção da última década, a valorização dos imóveis é historicamente baixa e, no longo prazo, pode perder da inflação.
4 – Dinheiro na poupança perde da inflação
Se você ainda é daqueles que ainda preferem deixar o dinheiro na caderneta de poupança, saiba que ela perda da inflação há tempos. O rendimento em 12 meses até setembro foi de 2,67%, mas, descontando a inflação, a aplicação teve retorno negativo de 0,46%. O mesmo vale para produtos como CDBs (Certificados de Depósitos Bancários) de grandes bancos que pagam abaixo de 100% do CDI ou fundos de renda fixa mais simples, com volatilidade menor e com taxas de administração incompatíveis com o retorno, aponta Police.
5 – Rentabilidade passada não é o melhor indicador
É mais comum do que se imagina: de olho na alta rentabilidade de um investimento no mês anterior, o investidor iniciante decide colocar boa parte de seu dinheiro lá, acreditando ser um bom negócio. Segundo Police, o passado recente é provavelmente o pior indicador que existe para decidir onde investir, principalmente quando se trata de renda variável. A lógica que faz mais sentido é contra os impulsos da psicologia financeira, segundo ele. “É raro ver alguém recomendar para comprar um imóvel porque ficou 20% mais barato ou investir na bolsa porque caiu demais”, afirma.
6 – No longo prazo, a chance de dar certo é maior
Estudo não faltam para provar que, quanto maior o intervalo de tempo do investimento, maiores as chances de sucesso. Police usa como exemplo o jogo de poker. Segundo ele, no curto prazo ele funciona como um jogo de azar, já que um iniciante, se tiver sorte com as cartas, pode derrotar um campeão mundial já na primeira rodada. Mas a probabilidade de perder deste oponente em várias partidas é muito maior. “O mercado financeiro é bem parecido. A sorte existe no curto prazo e funciona como em um cassino, mas no logo prazo a estratégia prevalece”. compara. “Você não vai acertar sempre, mas ao longo do tempo vai dar mais certo”.
Conteúdo por: InvestNews.